Há “até quatro ratos” por cada habitante em Lisboa: a batalha urbana pelo controlo da praga

São um dos problemas das cidades: os ratos. Ameaçam ecossistemas, destroem coisas e alimentos, propagam doenças. Em Lisboa dependem de dois fenómenos: mais obras e alterações climáticas.

Ratos: nas ruas de Lisboa é bem possível que já se tenha cruzado com estes seres que percorrem a cidade a passo rápido, arrastando a cauda e farejando à volta. E até na sua própria casa, escondidos num buraco que transformaram em toca. Segundo os especialistas, em Lisboa serão aos milhares.

“Por cada habitante poderá haver até quatro ratos. Seguramente podemos estimar milhares de roedores pela cidade.”

Maria da Luz Mathias

“São animais oportunistas: comem de tudo”, explica a professora de Biologia Animal Maria da Luz Mathias, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

E é na cidade que encontram as condições ideais para a sua reprodução: “comida em abundância, locais onde fazer o ninho, clima ameno.”, diz Maria da Luz.

Invadem os ecossistemas, competindo com as espécies nativas, ocupam os armazéns das cidades, contaminando os alimentos com os seus dejetos e transmitem doenças perigosas como a “leptospirose” e a “salmonelose”. 

Onde estão os ratos da cidade?

Em Lisboa, eles proliferam exatamente em zonas onde se verificam esses fatores, como explica a Câmara Municipal de Lisboa: nas zonas históricas, na zona ribeirinha e em zonas com maior degradação, onde existem estabelecimento comerciais de restauração, terrenos abandonados e redes de esgotos, não faltando assim abrigo e alimento.

A CML diz realizar avaliações regulares por todo o território, dinamizando programas de sensibilização sobre práticas adequadas de saneamento (deposição adequada de lixo, eliminação de fontes de alimentos e abrigo). Além disso, dispõe de uma equipa técnica que faz avaliações dos locais críticos, intervindo se necessário com a aplicação de rodenticidas.

As pragas de roedores foi um problema que se viu agravado no ano passado, quando Lisboa esteve sem contrato de prevenção de pragas durante dois meses, verificando-se falhas na recolha do lixo.

Entretanto, em agosto do ano passado, a CML assinou um contrato com a empresa Luthisa para a prevenção e controlo de pragas no valor de 552 mil euros, em vigor por três anos – mas o problema pode ver-se novamente agravado, com os trabalhos de construção da nova linha de metro que implicará vibrações no solo.

Em 2016, o documentário Rat Film, sobre a cidade americana de Baltimore, expunha os fatores mais atrativos para os roedores: falhas na recolha do lixo, edifícios devolutos, o acesso à água e sistemas de esgotos inadequados.

Quais os ratos da cidade?

São três os roedores que mais predominam na cidade: o ratinho caseiro, a ratazana castanha e a ratazana preta. O ratinho caseiro é aquele que mais aparece nas nossas casas.

Na sua tese de doutoramento sobre o ratinho caseiro, a biológa Sofia Gabriel traça o percurso desta espécie: surgiram no Médio Oriente há cerca de 10 mil, 12 mil anos, mas foi com os Descobrimentos que começaram realmente a viajar, disseminando-se globalmente. 

É mais pequeno do que os outros e menos neofóbico, isto é, tem menos medo de objetos novos do que os outros roedores. “São fundamentalmente animais que vivem em estreita associação com o homem, em edifícios”, resume Maria da Luz. “Nos armazéns, nos supermercados…”.

A ratazana castanha, também conhecida como o “rattus norvegicus”, é mais pesada, com uma cauda mais grossa, do mesmo tamanho ou mais pequena que o corpo. Ela vive ao nível do chão, muitas vezes em buracos. Maria da Luz diz que é frequente encontrá-las em jardins da cidade, como no jardim da Estrela e no jardim do Campo Grande.

 

É difícil distinguir a ratazana castanha da preta. “Para o cidadão comum, são muito parecidas”, explica a bióloga. A tonalidade do pelo nem sempre é diagnosticante, apesar dos nomes. “A melhor forma de descrever é que a ratazana preta é um ratinho doméstico bem maior, com a cauda mais comprida que o corpo, a cabeça mais afilada”.

As ratazanas pretas vivem em altura, e por isso são também conhecidas como “o rato do telhado”. São, tal como as ratazanas castanhas, animais noturnos, e, embora as ratazanas castanhas sejam mais agressivas, as principais queixas referem-se às pretas. “Tem que ver com o facto de os agricultores terem mais encontros com ratazanas pretas e nesse imediato reagem e podem morder, atacar…”, explica Sofia. 

E como combatê-los?

A solução geralmente adotada para se combater uma praga passa pela utilização dos rodenticidas anticoagulantes que permitem que os animais não criem de imediato uma associação entre o veneno e o mal-estar, acabando por morrer longe, nas suas tocas. Mas atuar já numa fase de infestação não chega.

“Acima de tudo, temos de estar atentos a determinadas situações”, diz Luís Manuel Madeira de Carvalho, professor da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa.  “Nunca é demais as pessoas andarem informadas, lerem sobre a biologia destes animais”. 

Nos anos 1950, o investigador David E. Davis concluiu que a prevalência dos roedores nas cidades estava ligada a fatores humanos. Para ele, a melhor forma de controlar os ratos seria, pois, controlando a recolha de lixo, os devolutos, o acesso à água e os sistemas de esgotos, de forma a estabilizar as populações de roedores.

“A beleza deste método de controlo ecológico é que melhora as condições de habitação dos seres humanos, ao mesmo tempo que reduz a população de ratos”.

David E. Davis, citado em Rats Film.

Há um novo problema com o combate: a resistência que os roedores têm vindo a desenvolver em relação aos pesticidas anticoagulantes.

Começaram pois a surgir outras alternativas, como pesticidas que levam à morte por excesso de vitamina D, e Maria da Luz aponta ainda novas armadilhas, capazes de capturar e matar vários roedores de uma só vez.

“A prevenção é a melhor arma que temos”, diz Sofia Gabriel. “Os roedores são uma guerra que tão cedo não vamos conseguir vencer, tem que haver um controlo constante para garantir que, mesmo que não desapareçam, as populações se mantêm controladas”.

Ações de prevenção contra os roedores:

  • Limitar o acesso das casas ao exterior; 
  • Não deixar alimentos descobertos; 
  • Garantir que o lixo está dentro dos contentores; 
  • Ter os contentores do lixo o mais isolados possível; 
  • Não deixar que a vegetação de um jardim cresça em demasia; 
  • Ter atenção aos pequenos buracos, fendas e interstícios nas casas; 

“Se considerarmos que há até quatro roedores por habitantes, se a população urbana aumenta sem controlo adequado e prevenção, a tendência é para que estas espécies aumentem também”, diz Maria da Luz.

E lá fora?

Os ratos não são um problema exclusivo de Lisboa, claro.

Um estudo publicado ainda este ano no jornal científico Peer J estimava que, entre 1930 e 2022, os roedores terão acarretado custos que chegam aos 3,6 mil milhões de dólares (aproximadamente 3,3 mil milhões de euros).

Em 2017, o presidente da Câmara de Nova Iorque, Eric Adams, anunciou um plano de 32 milhões de dólares para reduzir a população de roedores em 70% em três dos bairros mais infestados – sem grande efeito, no entanto. 

Em algumas cidades, será um problema ainda maior para as comunidades desfavorecidas, como denuncia o filme Rats Film: após o crash da bolsa de Wall Street em 1929, surgiu nos Estados Unidos a Homeowners Loan Corporation, que viria a redefinir a cidade de Baltimore, segregando a população em função da sua raça e condição socioeconómica.

O resultado da construção de quatro bairros diferentes foi o esperado: naqueles com piores condições de habitabilidade, acabariam por proliferar mais roedores. Um cenário que ainda hoje se verifica, e que não será muito diferente de Lisboa, uma cidade caracterizada pela má construção dos edifícios.

Acabar com os ratos ou viver com eles?

Há cidades lá fora que vão encontrando soluções para o problema.

Um caso inédito é o da zona de Alberta, no Canadá, onde ficam as cidades de Calgary e Edmonton, a única zona do mundo com uma população urbana e rural que não tem um problema de reprodução de ratos. 

Este feito deve-se, por um lado, à geografia: há poucos pontos de entrada para os roedores, visto que não conseguem sobreviver ao frio do Norte nem do Oeste, e a fronteira a Sul é muito montanhosa, com a sua população demasiado dispersa para que os roedores se disseminem aqui.

Um dos posters que fez parte da campanha de 1948 contra os roedores em Alberta. Fonte: Provincial Archives of Alberta

Resta, pois, a fronteira a Este. 

Os roedores só terão chegado ali nos anos 1920, com os ratos a serem declarados uma peste em 1950. Em Alberta, usou-se veneno para matá-los e policiou-se a zona numa faixa de 300 quilómetros de comprimento e 20-50 quilómetros de largura ao longo da fronteira, criando-se mesmo uma zona de controlo de roedores, que ainda hoje existe. 

Lançou-se ainda uma campanha pedagógica, que ensinava os residentes a distinguir as ratazanas castanhas daqueles que eram os ratos nativos.

Se em 1950 se registaram 500 ratos, em 1970 o número caíra para 50 e em 1990 o número estaria entre os 10 e 20 ratos. Em 2003, não foram registados nenhuns roedores. 

Entretanto, se Alberta conseguiu este feito, há cidades onde se estudam métodos alternativos que não a exterminação de roedores com recurso aos pesticidas.

Paris recua

Recentemente, a presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, anunciou que iria recuar no seu plano “anti-ratos” de 2017, apostando antes no estudo de novos métodos, que não fossem agressivos para com os roedores.

O plano passa também por aprender a “coabitar” com estes animais.

Entretanto, nos Estados Unidos, já se recorre aos dados para se prevenirem em infestações. Acontece em Washington DC, onde o diretor da divisão de controlo de roedores Gerard Brown se aliou ao cientista de dados Peter Cassey para desenvolver um modelo de dados que previsse infestações. 

Para criar esse modelo, recorreu-se a chamadas do 911 (o equivalente ao 112) com outros dados como o número de estabelecimentos de restauração e de apartamentos de uma determinada área e outros indicadores relacionados com a sua paisagem.

Também em Chicago se optou por esta tática, e obtiveram-se resultados: o método do cientista de dados Daniel Neill revelou-se 20% mais eficaz do que o método tradicional de armadilhas de ratos. 

*A imagem que ilustra este artigo foi realizada através de um programa de inteligência artificial.

Fonte: amensagem.pt

to top
Abrir chat
💬 Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajuda-lo?